Diante do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5322 pelo Supremo Tribunal Federal (acórdão publicado em 30/08/2023), que declarou inconstitucionais determinados aspectos da Lei nº 13.103/2015, notadamente relacionados ao tempo de espera, fracionamento de intervalo e descanso do motorista no veículo em andamento, apresentamos o presente artigo sobre os impactos dessa decisão.
 
Contextualização da decisão Supremo Tribunal Federal:
 
A ADI nº 5322 foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres – CNTTT, com o objetivo de questionar a constitucionalidade de dispositivos da Lei nº 13.103/2015, conhecida como Lei do Motorista, que estabelece normas relativas à jornada de trabalho dos motoristas profissionais.
 
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a matéria, deliberou pela inconstitucionalidade de determinados trechos da referida lei, especificamente no que se refere ao tempo de espera, fracionamento de intervalo e descanso do motorista no veículo em andamento. A Corte entendeu que tais disposições violam princípios constitucionais, como o da segurança no trânsito e o da proteção à saúde do trabalhador.
 
Vejamos pormenorizadamente cada tema declarado inconstitucional:
 
Tempo de espera:
 
A Lei 13.103/15 deu nova redação ao artigo 235-C, § 8º, da CLT, para dispor que são consideradas tempo de espera as horas em que o motorista profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias.
 
Ainda, reduziu sensivelmente a indenização do tempo de espera, que antes era correspondente a hora mais 30%, para 30% sobre a hora-normal, além de permitir que as horas do tempo de espera pudessem ser consideradas dentro da jornada e não apenas após a jornada normal de trabalho, como previa a Lei 12.619/12.
 
Além disso, previu no art.235-C, § 11º, da CLT, que, se o tempo de espera for superior a 2 horas ininterruptas e for exigida a permanência do motorista empregado junto ao veículo, caso o local ofereça condições adequadas, o tempo será considerado como de repouso para os fins dos intervalos de refeição de 1 hora e de descanso interjornada de 11 horas, sem prejuízo do pagamento do adicional do tempo de espera (30% do salário hora normal). Neste caso, a lei permitiu que houvesse uma possibilidade de o tempo de espera ser considerado como período de descanso.
 
O acórdão da ADI 5322 entende que o tempo de espera previsto no § 8º do art.235-C da CLT acaba por infringir norma de proteção destinada ao trabalhador porque prevê uma forma de prestação de serviço que não é computada na jornada diária normal de trabalho e nem como jornada extraordinária, não devendo ser dissociado o tempo despendido do motorista de transporte de cargas enquanto ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias das demais atividades profissionais por ele desenvolvidas, sem que fique caracterizado o prejuízo ao trabalhador e a diminuição do valor social do trabalho.
 
Com a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 235-C, §§ 8º e 9º, da CLT, o tempo de espera deixa de existir no ordenamento jurídico e não há mais razão para que as empresas façam a sua anotação nos controles de horário e deverão considerá-lo como jornada normal de trabalho.
 
Do fracionamento do Intervalo
 
Quanto ao fracionamento do intervalo, a Lei 13.103 fixou no artigo 235-C, § 5º, que o motorista deve ter um descanso de 11 horas dentro de 24 horas, sendo certo que permite o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo estabelecida no CTB, garantidos de 8 horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 horas seguintes ao fim do primeiro período.
 
A alteração trazida pela Lei 13.103/15 foi substancial, pois a Lei 12.619/12 tratava de um período de 11 horas contínuas de descanso a cada 24 horas e não permitia o fracionamento do intervalo interjornada.
 
A decisão do STF concluiu que o fracionamento desse período contraria frontalmente o art.7º, XV, da CF, pois retira do empregado a possibilidade de desfrutar do devido descanso e de momentos de lazer com a família e de convívio social, desnaturando a finalidade do descanso entre jornadas de trabalho.
 
Portanto, o intervalo interjornada do motorista de 11 horas, dentro das 24 horas, deverá ser usufruído de forma ininterrupta, não valendo mais a possibilidade de seu fracionamento, ficando restabelecida a mesma regra que estava prevista na Lei 12.619/12.
 
Do descanso do motorista no veículo em andamento
 
A Lei 13.103/15 trouxe alteração na CLT para dispor no artigo 235-D, § 5º, que, nos casos em que o empregador adotar dois motoristas trabalhando no mesmo veículo, o tempo de repouso poderá ser feito com o veículo em movimento, assegurado o repouso mínimo de seis horas 18 consecutivas fora do veículo em alojamento externo ou, se na cabine leito, com o veículo estacionado, a cada 72 horas.
 
O STF entendeu que tanto o artigo 235-D, § 5º, quanto o artigo 235-E, inciso III da CLT, estipulam regra que contraria o estabelecido pela Constituição Federal no tocante à segurança e saúde do trabalhador, não se podendo imaginar o devido descanso do trabalhador em um veículo em movimento, que muitas vezes sequer possui acomodação adequada para o corpo repousar após a jornada diária ou semanal de trabalho.
 
Dessa forma, as jornadas da dupla de motoristas devem, agora, ser consideradas individualmente, tanto em relação ao limite de jornada e tempo de direção, quanto aos repousos obrigatórios, que deverão ocorrer com o veículo parado.
 
Dos efeitos da decisão:
 
Com a declaração de inconstitucionalidade desses aspectos da Lei nº 13.103/2015, surgem diversos impactos no âmbito jurídico e prático, tais como possibilidade de contestações e litígios envolvendo a interpretação e aplicação das regras relacionadas à jornada de trabalho dos motoristas, impacto no setor de transporte e logística, com possíveis mudanças nas práticas operacionais das empresas e nos contratos comerciais.
 
Diante desse cenário, é fundamental que as empresas estejam atentas às mudanças decorrentes da decisão da ADI nº 5322 e busquem garantir a conformidade com a legislação vigente e proteger seus direitos e interesses.
 
A declaração de inconstitucionalidade passa a surtir efeitos imediatamente, a partir da publicação da certidão de julgamento, salvo disposição expressa em contrário do próprio tribunal.
 
Todavia, o STF pode modular os efeitos da decisão desde a sua vigência, a partir da publicação da certidão de julgamento, a partir da publicação do acórdão ou em qualquer outro momento que o tribunal definir.
 
No caso da ADI 5322, o acórdão publicado em 30/08/2023 não trouxe a modulação de seus efeitos. Foram opostos embargos declaratórios, que se encontram conclusos com o relator desde 15/09/2023.
 
Dessa forma, é recomendável que as empresas cumpram a decisão desde a publicação da certidão de julgamento ocorrida em 12/07/2023, a fim de evitarem novas ações trabalhistas sobre os temas julgados inconstitucionais e o aumento do passivo trabalhista.
 
Conclusão:
 
A decisão do STF na ADI 5322 trouxe impacto considerável na atividade econômica do transporte rodoviário de cargas e exigirá das empresas medidas necessárias para adaptação de suas operações e revisão da gestão administrativa envolvendo a prestação de serviços do motorista profissional, além de uma renegociação de contratos com os seus clientes em função do aumento do custo operacional e da redução da produtividade.