Sumário Executivo:

A ação judicial não deverá ter como objetivo questionar frontalmente a Lei n° 14.611/2023, que dispõe acerca da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, mas sim os meios pelos quais se visou alcançá-los: o Decreto 11.795/2023 e a Portaria nº 3.714/2023, que a regulamentam.

Tais dispositivos extrapolam os termos da própria lei e os limites do poder regulamentar, violam o princípio da legalidade e os valores da ordem e liberdade econômica, consubstanciados no fundamento da livre iniciativa e no princípio da livre concorrência, além dos princípios do contraditório, ampla defesa e de privacidade. 

A Ação Coletiva Ordinária se apresenta como o meio mais adequado para a tutela do direito vindicado, pois trata-se de instrumento mais abrangente de proteção de direitos, que pode ser restrito a um determinado grupo de associados, mediante autorização expressa por parte de cada um dos representados.

Do direito a ser tutelado:

A divulgação dos relatórios de transparência salarial pelas empresas foi prevista pelo Decreto nº 11.795, de novembro de 2023, e pela Portaria nº 3.714/2023 do Ministério do Trabalho e Emprego, que regulamentaram a Lei de Igualdade Salarial nº 14.611 de 2023. 

A Lei n° 14.611, de 03 de julho de 2023, que dispõe acerca da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, alterando artigos da CLT, estabeleceu obrigações aos empregadores com 100 (cem) ou mais empregados, nos seguintes termos:

  • “Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
  • 1º Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico.
  • 2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.
  • 3º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput deste artigo, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários-mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. 
  • 4º O Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), além das informações previstas no § 1º deste artigo, indicadores atualizados periodicamente sobre mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, inclusive indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como demais dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres e que possam orientar a elaboração de políticas públicas.” 

Foi, então, editado o Decreto nº 11.795/23 para regulamentar os dispositivos da Lei 14.611/23, que assim estabelece: 

“Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei nº 14.611, de 3 de julho de 2023, em relação aos mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios, para dispor sobre: 

I – o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios; e 

II – o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens. 

Parágrafo único. As medidas previstas neste Decreto aplicam-se às pessoas jurídicas de direito privado com cem ou mais empregados que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito. 

Art. 2º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios de que trata o inciso I do caput do art. 1º tem por finalidade a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos e deve contemplar, no mínimo, as seguintes informações: 

I – o cargo ou a ocupação contida na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, com as respectivas atribuições; e

II – o valor: 

  1. a) do salário contratual; 
  2. b) do décimo terceiro salário; 
  3. c) das gratificações; 
  4. d) das comissões; 
  5. e) das horas extras; 
  6. f) dos adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros; 
  7. g) do terço de férias; 
  8. h) do aviso prévio trabalhado; 
  9. i) relativo ao descanso semanal remunerado; 
  10. j) das gorjetas; e 
  11. k) relativo às demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho, componham a remuneração do trabalhador.
  • 1º Ato do Ministério do Trabalho e Emprego estabelecerá as informações que deverão constar do Relatório de que trata o caput e disporá sobre o formato e o procedimento para o seu envio. 
  • 2º Os dados e as informações constantes dos Relatórios deverão ser: 

I – anonimizados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018; e 

II – enviados por meio de ferramenta informatizada disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. 

  • 3º O Relatório de que trata o caput deverá ser publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral. 
  • 4º A publicação dos Relatórios deverá ocorrer nos meses de março e setembro, conforme detalhado em ato do Ministério do Trabalho e Emprego. 
  • 5º Para fins de fiscalização ou averiguação cadastral, o Ministério do Trabalho e Emprego poderá solicitar às empresas informações complementares às contidas no Relatório. 

Art. 3º Verificada a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as empresas com cem ou mais empregados deverão elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, que deverá estabelecer: 

I – as medidas a serem adotadas, as metas e os prazos; e 

II – a criação de programas relacionados à: 

a) capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho; 

b) promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e 

c) capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens. 

  • 1º Na elaboração e na implementação do Plano de Ação de que trata o caput, deverá ser garantida a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados, preferencialmente, na forma definida em norma coletiva de trabalho. 
  • 2º Na ausência de previsão específica em norma coletiva de trabalho, a participação referida no § 1º se dará, preferencialmente, por meio da comissão de empregados estabelecida nos termos dos art. 510-A a art. 510-D da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. 
  • 3º Na hipótese do § 2º, a empresa que tiver entre cem e duzentos empregados poderá promover procedimento eleitoral específico para instituir uma comissão que garanta a participação efetiva de representantes dos empregados. 

Art. 4º Compete ao Ministério do Trabalho e Emprego: 

I – disponibilizar ferramenta informatizada para: 

a) o envio dos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios pelas empresas; e 

b) a divulgação dos Relatórios e de outros dados e informações sobre o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres; 

II – notificar, quando verificada desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, por meio da Auditoria-Fiscal do Trabalho, as empresas para que elaborem, no prazo de noventa dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens;” 

Foi, ainda, editada a Portaria nº 3.714/2023, que dispõe que: 

Art. 3º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será composto por duas seções, contendo cada uma, as seguintes informações: 

I – Seção I – dados extraídos do eSocial: 

a) dados cadastrais do empregador; 

b) número total de trabalhadores empregados da empresa e por estabelecimento; 

c) número total de trabalhadores empregados separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal; e 

d) cargos ou ocupações do empregador, contidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO); 

(…) 

Art. 4º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverá ser feita pelos empregadores em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, garantida a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral. 

Art. 5º O Ministério do Trabalho e Emprego coletará os dados inseridos no eSocial pelos empregadores, bem como as informações complementares por eles prestadas e publicará o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos meses de março e setembro de cada ano, na plataforma do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho. 

Parágrafo único. As informações complementares a que se refere o caput serão prestadas pelos empregadores, em ferramenta informatizada disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos meses de fevereiro e agosto de cada ano, relativas ao primeiro e ao segundo semestres, respectivamente. 

Art. 6º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será obrigatória após a disponibilização da aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios a ser implementada na área do empregador do Portal Emprega Brasil. 

DO PLANO DE AÇÃO PARA MITIGAÇÃO DA DESIGUALDADE SALARIAL E DE CRITÉRIOS REMUNERATÓRIOS ENTRE MULHERES E HOMENS 

Art. 7º Após a publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos termos do Decreto nº 11.795, de 2023, verificada a desigualdade salarial e de critérios de remuneração, os empregadores serão notificados, pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, para que elaborem, no prazo de noventa dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens. 

  • 1º A notificação a que se refere o caput será realizada a partir da implementação do Domicílio Eletrônico Trabalhista, nos termos do artigo 628- A da Consolidação das Leis do Trabalho- CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, ressalvados os procedimentos administrativos de fiscalização previstos ou iniciados nos termos da Instrução Normativa MTP nº 2, de 8 de novembro de 2021. 
  • 2º O prazo para apresentação do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios correrá a partir da primeira notificação, nos termos do inciso II do art. 4º do Decreto nº 11.795, de 2023. 
  • 3º O Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens de que trata o caput poderá ser elaborado e armazenado em meio digital com certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). 
  • 4º Uma cópia do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens deverá ser depositada na entidade sindical representativa da categoria profissional.” 

Pois bem. Ao nosso ver, a Lei nº 14.611/2023 não determina a publicação dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios nos sites das próprias empresas ou em redes sociais, conforme estabelecido no Decreto n° 11.795/2023 e pela Portaria nº 3.714/2023. 

Não há, ainda, previsão na sobredita lei de que incumbe ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE a responsabilidade pela elaboração do relatório, conforme estipulado na Portaria nº 3.714/2023.

Destarte, a ação judicial não terá como objetivo questionar a Lei n° 14.611/2023 em si, que dispõe acerca da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, eis que se reveste de propósito nobre relacionado à isonomia de gênero – tema muito caro nos tempos atuais -, mas sim os meios pelos quais se visou alcançá-los, por intermédio do Decreto e da Portaria que a regulamentam.

Com efeito, o Decreto e a Portaria extrapolam os termos da própria Lei e os limites do poder regulamentar, violando o princípio da legalidade e os valores da ordem econômica, consubstanciados no fundamento da livre iniciativa e no princípio da livre concorrência.

Ademais, a determinação de publicação de relatórios elaborados com dados sensíveis de empresas, sem que lhes seja dada a oportunidade de manifestação, evidentemente viola o princípio do contraditório e da ampla defesa, com risco à sua imagem e à reputação, porque os relatórios certamente conterão diferenças remuneratórias legitimadas que, sem uma explicação, podem expor uma falsa aparência de que a empresa esteja irregular do ponto de vista da isonomia.

A metodologia adotada pelo MTE não observa o quanto previsto na legislação, especialmente no que se refere à observância dos requisitos do artigo 461 da CLT, sobre identidade de função e trabalho de igual valor, assim entendido como aquele executado com igual produtividade e mesma perfeição técnica.

A comparação entre salários e remunerações de mulheres e homens realizada pelo MTE, baseada em dados do e-Social, leva em consideração apenas os Grandes Grupos de Ocupações da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, que é o sistema que organiza e classifica as profissões existentes no país. 

Essa base comparativa, inexoravelmente, cria inconsistências, na medida em que reuniu os empregados apenas em 5 grandes grupos, a saber: dirigentes e gerentes, profissionais em ocupações de nível superior, técnicos de nível médio, trabalhadores de serviços administrativos e trabalhadores de atividades operacionais. Com isso, desconsidera a efetiva identidade de função entre homens e mulheres baseada em critérios de produtividade e perfeição técnica na realização do trabalho, ensejadores da equiparação salarial.

Por outro lado, muito embora a Lei determine que os relatórios deverão observar a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), é possível que, diante da atual regulamentação (que indica uma série de informações a serem consideradas), em relação a determinadas empresas, a informação da remuneração poderá ser diretamente vinculada a determinada pessoa, em clara violação à intimidade e privacidade do respectivo empregado. e colocando em risco o direito fundamental à proteção dos dados pessoais dos empregados. Imagine-se, por exemplo, determinada empresa que possui apenas um advogado (a) em seus quadros. Ou apenas um engenheiro(a), ou um médico (a) de segurança do trabalho.

Ainda no que tange à divulgação de salários de empregados, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já expressou entendimento de que a troca de informações sensíveis entre empresas concorrentes – e os salários dos empregados são tratados como tal em seu guia de gun jumping – pode configurar infração à Lei de Defesa da Concorrência.

Diante de todo esse cenário, entendemos que a medida judicial a ser adotada, como melhor estratégia, deve contestar os aspectos do Decreto 11.795/2023 e da Portaria nº 3.714/2023, que (i) extrapolam os termos da própria lei e os limites do poder regulamentar, (ii) violam o princípio da legalidade e os valores da ordem e liberdade econômica, consubstanciados no fundamento da livre iniciativa e no princípio da livre concorrência, e (iii) entram em conflito direitos constitucionais de privacidade – por corolário a LGPD, contraditório e ampla defesa, causando danos a um interesse coletivo ou difuso.

Tal medida judicial trará em seu bojo pedido liminar ou antecipação de tutela para suspender imediatamente os efeitos da legislação ou de seus dispositivos específicos, seguido de pedido meritório que assegure o direito das empresas de (i) retirar de seus sites ou outros meios de divulgação o relatório emitido pelo MTE em março de 2024 e (ii) deixar de publicar, em março e setembro de cada ano, novos relatórios emitidos com base em parâmetros distorcidos da realidade.

Das medidas judiciais plausíveis:

De modo geral, as Associações estão autorizadas por lei a propor Mandado de Segurança Coletivo, Ação Civil Pública ou ainda Ação Coletiva Ordinária, para defender direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos de seus associados, respeitados alguns requisitos. 

Analisamos pormenorizadamente as vantagens e os riscos de cada um desses remédios para, ao final, indicarmos o caminho que entendemos mais adequado.

a) Mandado de Segurança Coletivo

O Mandado de Segurança Coletivo é medida cabível contra ato praticado por autoridade, com abuso de poder ou ilegalidade, que venha a ferir direito líquido e certo dos associados.

Direito líquido e certo é aquele que pode ser demonstrado de plano mediante prova pré-constituída, sem a necessidade de produção de outras provas no curso do processo.

De outro lado, a autoridade coatora é toda a pessoa que esteja no exercício da função pública e cometa ato ilegal ou com abuso de poder.

Assim, o Mandado de Segurança Coletivo é cabível contra ato ilegal de pessoa no exercício da função pública que venha a ferir direito dos associados, desde que este direito seja facilmente verificado.

Importante destacar que o Mandado de Segurança Coletivo pode ser utilizado pela Associação para defender direitos de parte de seus associados, não precisando ser necessariamente de todos (Súmula 630 do STF).

Para que a Associação possa impetrar Mandado De Segurança Coletivo, é necessário cumprir os seguintes requisitos:

a) a Associação esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) possua previsão em seu estatuto de que poderá propor ação judicial em defesa dos direitos de seus associados;

c) a ação deve ser proposta no prazo máximo de 120 dias do conhecimento do ato ilegal praticado pela autoridade coatora.

No mandado de segurança coletivo não há a necessidade de autorização expressa para sua propositura (Súmula 629 do STF). Isso porque, neste caso, a Associação atuará como substituta de seus associados no processo, ou seja, no lugar deles.

Em razão disso, a decisão proferida no Mandado de Segurança Coletivo beneficia toda a categoria representada pela Associação, sendo que todos poderão se beneficiar do resultado do processo diretamente, mesmo não sendo associado há época da propositura da ação. Com isso, futuros associados também se beneficiam da decisão judicial.

O Mandado de Segurança Coletivo é a ferramenta processual mais célere das ações coletivas. Contudo, está limitado somente a questionar atos de autoridades e, ao nosso ver, não seria a melhor opção para questionar a constitucionalidade de Lei, Decreto ou Portaria que a regulamenta.

Não é por outra razão que diversos Mandados de Segurança Coletivos, ajuizados por algumas associações para questionar a Lei de Igualdade Salarial, têm sofrido reveses no Poder Judiciário, muito embora, inicialmente, tenha ocorrido o deferimento de algumas liminares.

Da mesma forma, o Mandado de Segurança não permite produção de provas no curso do processo, como por exemplo para demonstrar a legitimidade de eventuais diferenças salariais consideradas equivocadamente pelo MTE ao emitir os relatórios de transparência salarial, em violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, já que suprimida a oportunidade às empresas para demonstração prévia.

b) Ação Civil Pública 

Nos termos da Lei 7.347/1985, a Ação Civil Pública é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações de ordem econômica, protegendo, assim, interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos da sociedade.

Direito difuso ou metaindividual é aquele que não se pode determinar quem é o titular do direito. Direito coletivo é o direito que também não se pode determinar o titular, porém, ele é determinável, em razão do direito que se busca garantir. Direito individual homogêneo é o que decorre de um único fato gerador, atingindo as pessoas individualmente ao mesmo tempo e da mesma forma, mas sem que se possa considerar que ele seja restrito a um único indivíduo. 

Além disso, nos termos do art. 5º da Lei 7.347/85, as associações estão dentre os legitimados para propor Ação Civil Pública, mas desde que cumpram os seguintes requisitos, concomitantemente:

a)  a Associação deve estar constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b)  deve possuir previsão em seu estatuto de que poderá propor ação judicial em defesa dos direitos de seus associados;

c) deve possuir em seu estatuto, expressamente, dentre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Pois bem. Os dois primeiros requisitos são questões formais e objetivas, de fácil enquadramento. No que tange ao terceiro requisito, a interpretação sobre as finalidades institucionais das associações, muitas vezes, assume caráter subjetivo, que pode colocar em xeque a sua legitimidade para a propositura da Ação Civil Pública.  

Por exemplo, a obrigatoriedade de publicação do relatório de transparência salarial pela coletividade das associadas que possuem mais de cem empregados em seus quadros, em tese, constituiria o fundamento da ação por ofensa à ordem econômica e a livre concorrência, bens jurídicos protegidos pela Lei da Ação Civil Pública.

Todavia, ainda que determinada associação contenha previsão expressa em seu estatuto de que possui, dentre suas finalidades institucionais, a proteção da ordem econômica e da livre concorrência, a doutrina e a jurisprudência dos tribunais brasileiros exigem que, para ajuizamento de ação civil pública, as associações devem apresentar a chamada pertinência temática com o objetivo que busca no Judiciário.

A pertinência temática exigida pela legislação, para a configuração da legitimidade em ações civis públicas, consiste no nexo material entre os fins institucionais do demandante e a tutela pretendida naquela ação. É o vínculo de afinidade temática entre o legitimado e o objeto litigioso, a harmonização entre as finalidades institucionais dos legitimados e o objeto a ser tutelado na ação civil pública. 

Na lição da doutrina, trata-se da “harmonização entre as finalidades institucionais das associações civis ou dos órgãos públicos legitimados e o objeto a ser tutelado na ação civil pública. Em outras palavras, mencionadas pessoas somente poderão propor a ação civil pública em defesa de um interesse cuja tutela seja de sua finalidade institucional” (DE SOUZA, Motauri Ciocchetti. Ação Civil Pública e Inquérito Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 78).

Se o entendimento judicial for no sentido de não haver pertinência temática, a parte pode ser considerada ilegítima para o ajuizamento da ACP, o que ocasionará a extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, VI, CPC). Vejamos:

RECURSO ESPECIAL Nº 1978138 – SP (2019/0256793-5) RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA RECORRENTE : CAIXA BENEF DOS FUNC DO BCO DO EST DE SÃO PAULO CABESP ADVOGADOS : GUSTAVO JOSÉ MENDES TEPEDINO – RJ041245 VIVIANNE DA SILVEIRA ABÍLIO – RJ165488 MILENA DONATO OLIVA – SP305520 SOFIA ORBERG TEMER – RJ204625 FRANCISCO DE ASSIS WAGNER VIÉGAS – RJ204899 RENAN SOARES CORTAZIO – RJ220226 RECORRIDO : FUNDAÇÃO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR PROCON PROCURADOR : CLÁUDIO HENRIQUE DE OLIVEIRA – SP329155 EMENTA PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. FUNDAÇÃO PÚBLICA. REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. 

  1. Da mesma forma que as associações, as pessoas jurídicas da administração pública indireta, para que sejam consideradas parte legítima no ajuizamento de ação civil pública, devem demonstrar, dentre outros, o requisito da pertinência temática entre suas finalidades institucionais e o interesse tutelado na demanda coletiva. 2. Recurso especial provido para extinguir o processo sem julgamento de mérito, ante a ausência de legitimidade ativa ad causam da fundação pública.

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. ASSOCIAÇÃO. REQUISITOS. FALTA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA. FINALIDADE AMPLAMENTE GENÉRICA PREVISTA NO ESTATUTO SOCIAL. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA EXTINTIVA MANTIDA. 1. O manejo de ação civil pública por Associação, em regime de substituição processual, tem como um dos requisitos a pertinência temática. Além da exigência de sua constituição, na forma da lei, pelo prazo mínimo de um ano, a Associação deve incluir, entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, nos termos do art. 5º, V, b, da Lei 7.347/85. 2. A finalidade genérica da Associação prevista em seu estatuto social, abarcando integralmente o objeto da ação civil pública previsto no art. 1º da Lei 7.347/85, não satisfaz o requisito da legitimidade ativa, que é exigido para se propor demandas desse tipo. As associações civis necessitam ter finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse transindividual que pretendam tutelar em juízo, sob pena de admitir-se a criação de uma Associação civil para a defesa de qualquer interesse, o que desnaturaria a exigência de representatividade adequada do grupo lesado. Desse modo, diante da ausência da pertinência temática, a autora não detém legitimidade para propor esta ação coletiva. 3. Apelação da autora a que se nega provimento. Sentença mantida em razão da ilegitimidade ativa. (TRF-1 – AC: 00345361820044013400, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 07/03/2018, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 25/04/2018)

Por outro lado, há julgados que sustentam que essa análise não pode ser extremamente restritiva. Essa interpretação parte da premissa de que, para ajuizar ação civil pública, não é preciso existir uma Associação com esse fim específico. A ideia é que o critério usado para verificação da pertinência temática seja “responsavelmente flexível e amplo”. Vejamos:

O juízo de verificação da pertinência temática para a proposição de ações civis públicas há de ser responsavelmente flexível e amplo, em contemplação ao princípio constitucional do acesso à justiça, mormente a considerar-se a máxima efetividade dos direitos fundamentais. STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.788.290-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/05/2022 (Info

Embora haja essa possibilidade de sustentar que a pertinência temática pode ser mais abrangente, e defender a legitimidade das associações para intentarem a Ação Civil Pública contra a obrigatoriedade de publicação de relatórios de transparência salarial, entendemos que tais riscos não justificariam a sua propositura, mormente quando há outras medidas para manejar o direito tutelado, como veremos a seguir. 

c) Ação Coletiva Ordinária

A Ação Coletiva Ordinária é cabível para representar todo e qualquer direito individual e homogêneo de seus associados contra quem o tiver infringido. Trata-se do instrumento mais abrangente de proteção de direitos em favor dos associados, podendo ser utilizada para a defesa de todo e qualquer direito dos associados.

Através de Ação Ordinária Coletiva, a Associação pode ingressar judicialmente para questionar legislação e atos administrativos que causem lesão ou restrição a direito de seus associados, como, por exemplo, contestar os aspectos do Decreto 11.795/2023 e da Portaria nº 3.714/2023, que (i) extrapolam os termos da própria lei e os limites do poder regulamentar, (ii) violam o princípio da legalidade e os valores da ordem e liberdade econômica, consubstanciados no fundamento da livre iniciativa e no princípio da livre concorrência, e (iii) entram em conflito direitos constitucionais de privacidade – por corolário a LGPD, contraditório e ampla defesa, causando danos a um interesse coletivo ou difuso.

Para que a Associação possa propor Ação Coletiva Ordinária é necessário cumprir os seguintes requisitos:

a) a Associação esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) possua previsão em seu estatuto de que poderá propor ação judicial em defesa dos direitos de seus associados;

c) possua autorização expressa de seus associados para propor a Ação Ordinária Coletiva. Essa autorização pode ser obtida via assembleia geral ou individualmente, devendo apresentar na petição inicial a relação de associados que deram autorização para propositura daquela ação específica;

A decisão proferida na ação coletiva terá validade somente para os associados que autorizaram sua propositura e eram filiados à Associação no momento do ajuizamento da ação. Ainda, sua validade está condicionada ao território de atuação do órgão julgador.

Sobreleva ressaltar que, diferentemente do Mandado de Segurança, a Ação Ordinária Coletiva permite a produção de provas no decorrer do processo para comprovar a ofensa ao direito.

Em relação à Ação Civil Pública, a Ação Ordinária Coletiva é mais abrangente quanto aos direitos que podem ser questionados, pois a primeira está adstrita àqueles direitos previstos no art. 5º, alínea “c” da Lei 7.347/85. 

Ademais, para se propor a Ação Ordinária Coletiva, o direito questionado pode ser restrito a um determinado grupo de associados, não sendo necessariamente um direito coletivo ou metaindividual como é exigido pela Ação Civil Pública.

Conclusão:

Diante do exposto, entendemos que:

a) a ação judicial não deverá ter como objetivo questionar a Lei n° 14.611/2023, que dispõe acerca da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, eis que ela se reveste de propósito nobre relacionado à isonomia de gênero;

b) a ação judicial deve sim questionar os meios pelos quais se visou alcançá-los, por intermédio do Decreto 11.795/2023 e da Portaria nº 3.714/2023, que extrapolam os termos da própria lei e os limites do poder regulamentar, violam o princípio da legalidade e os valores da ordem e liberdade econômica, consubstanciados no fundamento da livre iniciativa e no princípio da livre concorrência, e entram em conflito direitos constitucionais do contraditório, ampla defesa e de privacidade – por corolário a LGPD. 

c) o Mandado de Segurança Coletivo não seria o remédio mais adequado para questionar a obrigatoriedade de publicação do relatório de transparência salarial, uma vez que estaria limitado a resguardar direito líquido e certo violado por atos de autoridades, sem possibilidade de produção de provas no curso do processo, não podendo ser utilizado, por exemplo, para demonstrar  a legitimidade de eventuais diferenças salariais consideradas equivocadamente pelo MTE ao emitir os relatórios de transparência salarial. 

d) no que tange à Ação Civil Pública, ainda que esteja prevista no estatuto da Associação, dentre suas finalidades institucionais, a proteção da ordem econômica e da livre concorrência, há entendimentos jurisprudenciais no sentido de que para o seu ajuizamento, a Associação deve ter pertinência temática com o objetivo que busca no Judiciário, o que acarretaria em um risco desnecessário quanto à sua legitimidade e ao próprio cabimento do meio processual eleito.

e) a Ação Coletiva Ordinária se apresenta como o meio mais adequado para a tutela do direito vindicado, pois trata-se de instrumento mais abrangente de proteção de direitos, que pode ser restrito a um determinado grupo de associados, mediante autorização expressa por parte de cada um dos representados.

f) tal medida judicial trará em seu bojo pedido liminar ou antecipação de tutela para suspender imediatamente os efeitos da legislação ou de seus dispositivos específicos, seguido de pedido meritório que assegure o direito das empresas de (i) retirar de seus sites ou outros meios de divulgação o relatório emitido pelo MTE em março de 2024 e (ii) deixar de publicar, em março e setembro de cada ano, novos relatórios emitidos com base em parâmetros distorcidos da realidade.