Por Julio Beltrão, sócio de EGS Advogados.
As recentes decisões do STF em matéria trabalhista demonstram que o Supremo vem impondo um freio de arrumação ao ativismo judiciário na Justiça do Trabalho. Do que já foi julgado, o STF tem derrubado muitos entendimentos que vão na contramão da reforma trabalhista aprovada no Congresso, e outros que já estavam consolidados ao longo dos últimos anos por intermédio de súmulas e orientações jurisprudenciais do TST – como a Súmula 331, sobre terceirização -, trazendo interpretações que melhor se amoldam às relações de trabalho modernas, notadamente sobre a forma que a sociedade vem encontrando para a organização do trabalho.
No que diz respeito à questão da terceirização, essas decisões do STF impõem uma orientação quase pedagógica à Justiça do Trabalho, notadamente sobre à “pejotização”, termo forjado de maneira pejorativa por membros do Ministério Público do Trabalho e da fiscalização trabalhista para se referirem às relações jurídicas estabelecidas entre empresas tomadoras de serviços e pessoas jurídicas constituídas por profissionais especializados, geralmente autônomos.
O “leading case” ocorreu em 30/8/18, quando o Supremo Tribunal Federal julgou a ADPF 324, acerca da constitucionalidade da terceirização de mão de obra no Brasil, tendo prevalecido a seguinte tese:
“1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993.”
Na mesma sessão, foi realizado o julgamento em conjunto do RE 958.252, de relatoria do Min. Luiz Fux, tendo o STF declarado a constitucionalidade da terceirização do trabalho, em sua ampla acepção, sem distinção de atividade-fim e atividade-meio. O acórdão reconheceu a repercussão geral da matéria, e fixou a seguinte tese, conforme tema 725:
“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.
Portanto, a partir de agosto de 2018, passou a ser de observância obrigatória aos processos judiciais em cursou pendentes de julgamento a tese jurídica firmada pelo STF no RE 958.252 e na ADPF 324.
Essas teses foram revisitadas pela Suprema Corte por ocasião do julgamento da ADC 48, em que se discutiu a constitucionalidade da Lei 11.442/2007 (Lei do Transporte Rodoviário de Cargas), merecendo destaque o seguinte trecho do acórdão proferido:
“É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias comerciais dentro do marco vigente (CF/1988, art. 170). A proteção constitucional do trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º). Precedente: ADPF 524, Rel. Min. Luís Roberto Barroso.”
Também ao se julgar a ADI 5625, foi reconhecida a constitucionalidade da Lei 13.352/2016, conhecida como Lei do Salão-parceiro, sobre contratos de parceria estabelecidos entre trabalhador no ramo da beleza (cabelereiro, barbeiro, manicure etc.) e o respectivo estabelecimento. O seguinte destaque aponta com clareza a inclinação do STF acerca da necessidade de se interpretar os princípios da valorização do trabalho e da livre iniciativa em harmonia, sob pena de se impor um único e taxativo modelo organizacional às empresas, em que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego nos moldes da CLT:
“A Constituição não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, a jurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece critérios e condições claras e objetivas, que permitam sua adoção com segurança. O direito do trabalho e o sistema sindical precisam se adequar às transformações no mercado de trabalho e na sociedade.”
No que tange ao conceito de “pejotização”, o STF, no julgamento da RCL 47843, trouxe nova luz à discussão sobre este modelo de contratação que tem sido muito criticado, por vezes apontado como forma fraudulenta de contratação de trabalhadores. O acórdão, por maioria, reconheceu como válida a contratação de médicos como pessoas jurídicas, pesando o fato de serem pessoas de alto nível de formação e, portanto, que não se enquadram como hipossuficientes.
O STF já havia reconhecido como constitucional o artigo 129 da lei 11.196/05, que estabelece a possibilidade de prestação de serviços intelectuais, em caráter personalíssimo ou não, pelo modelo de contratação de pessoa jurídica, nos termos da ADC 66.
O recado é claro. Repetidos julgados explicitam a inconstitucionalidade de decisões trabalhistas que demonizam qualquer forma de contratação de trabalho que não seja firmada pelos moldes da CLT, lançando mão de teorias, princípios ou prevalência da realidade para inquinar de nulas todas as demais formas de relações de trabalho orientadas por modelos positivados ou não defesos em lei.
Assertiva e pedagogicamente, o STF vem reconhecendo como lícita a contratação de serviços prestados por empresas terceirizadas, ainda que em atividade-fim do tomador, ou por indivíduo que constitui pessoa jurídica para a prestação pessoal de serviços, prestigiando a livre iniciativa, a liberdade de contratação, o aumento da renda do trabalhador autônomo e a desoneração da relação de trabalho.
Ressalte-se que as decisões formuladas em matérias repetitivas ou de repercussão geral, pelo STF, ou que violem preceito fundamental, são vinculativas e de efeito “erga omnes”, na forma dos artigos 1036 a 1041 do CPC e do art. 10, §3º da lei 9.882/1999.
Não obstante, não é raro ainda nos depararmos com julgados trabalhistas que, analisando a relação de profissionais liberais ou autônomos com os contratantes, reconhecem o vínculo empregatício por ideologia ou rebeldia, ignorando o efeito vinculante das decisões do STF.
Entretanto, há um atalho bem pavimentado para aqueles que não querem amargar anos à espera de uma decisão definitiva do TST ou mesmo ver seus recursos indeferidos por filigranas processuais.
Decisões proferidas em processos em andamento, em que o reconhecimento do vínculo empregatício ainda não tenha transitado em julgado, e desde que já esgotadas as instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho (leia-se, acórdão do TRT proferido), são passiveis de revisão direta pelo STF, por intermédio do remédio processual denominado Reclamação Constitucional, previsto nos artigos 102, inciso I, alínea “a”, da CF/88 e 988, incisos III e IV, do CPC.
E nos termos do parágrafo 5º, do art. 988 do CPC, é admissível o ajuizamento de Reclamação Constitucional mesmo quando ainda houver a oportunidade de análise da matéria pelo TST, de modo que se revela plenamente plausível a sua interposição diretamente ao STF, inclusive com pedido cautelar de suspensão do processo principal.
As recentes decisões proferidas por ministros do STF, em sede de Reclamação Constitucional, têm privilegiado os contratos pactuados com trabalhadores autônomos por intermédio da constituição de pessoa jurídica, notadamente profissionais liberais como médicos, jornalistas e artistas, geralmente hipersuficientes e com altas remunerações, bem como as terceirizações que visam a otimização da cadeia produtiva, pautando-se pela mínima interferência na liberdade econômica constitucionalmente assegurada e o equilíbrio nas relações econômicas e empresariais.
O convite que se faz às empresas é no sentido de revisitarem ações trabalhistas que versem sobre vínculo empregatício, com o objetivo de analisar a possibilidade de cabimento de reclamação constitucional, sob pena de prevalecer, nesses processos, entendimentos muitas vezes dissonantes das orientações da Suprema Corte, esta mais sensível à necessidade premente de adequação da organização do trabalho aos anseios da sociedade moderna.
Por outro lado, ainda que esgotadas as hipóteses de cabimento de reclamação constitucional, o próprio TST já decidiu que é cabível às empresas pedirem a revogação de decisões transitadas em julgado que declararam fraude de terceirização, a partir da aplicação do entendimento vinculante do STF sobre a licitude desse tipo de contratação, notadamente pela inexistência de ilegalidade na terceirização de atividade-fim.
Tal possibilidade encontra guarida no artigo 966, inciso V, do CPC, segundo o qual, a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando “violar manifestamente norma jurídica” – no caso, quando a Justiça do Trabalho deixa de aplicar o entendimento vinculante do STF sobre a matéria, desde que este tenha sido proferido anteriormente ao trânsito em julgado da decisão condenatória.