*Por Arthur Nunes Brok, advogado de EGS.
Publicada no dia 26 de outubro de 2021, a Lei nº 14.230 trouxe significativas sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa.
Extirpando a antiga discussão sobre a necessidade da presença de dolo para reconhecimento do ato tido como improbo, a nova Lei – já em seu artigo 1°, § 1° – previu expressamente que “consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei”.
De acordo com o teor do § 2° do mesmo dispositivo legal, deve ser entendido por dolo “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”.
Outra relevante inovação trazida pela lei foi a alteração dos prazos prescricionais e a criação da figura da prescrição intercorrente nas ações de improbidade.
A prescrição intercorrente consiste na perda do direito do Estado de aplicar as sanções previstas na Lei de Improbidade, em razão do decurso de determinado período, por sua inércia ou morosidade na condução dos processos.
Trata-se de uma decorrência do direito fundamental da duração razoável do processo, estabelecido no inciso LXXVIII, do artigo 5°, da Constituição Federal.
Pelo advento das alterações, uma vez ajuizada a ação de improbidade administrativa, o prazo da prescrição intercorrente passa a ser de 4 anos, segundo os §§ 4°, 5° e 8°, do artigo 23, da Lei.
Logo, se decorridos mais de 4 anos entre os marcos interruptivos previstos no § 4°, do artigo 23, o juiz tem o dever de reconhecer e decretar a ocorrência da prescrição, extinguindo-se a ação de improbidade.
A despeito do impacto dessas alterações, a grande celeuma instaurada no Poder Judiciário não foi exatamente o conteúdo de referidas normas, mas sim a retroatividade (ou não) dessas novas regras às ações ajuizadas sob a égide da lei anterior.
De um lado, os Réus nas ações de improbidade administrativa têm alegado que por trazerem regras mais vantajosas, deverá ser aplicado o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República.
De outro lado, o Ministério Público tem sustentado que o princípio da retroatividade da lei mais benéfica aplica-se, exclusivamente, no âmbito penal, não podendo ser estendido para esfera civil administrativa.
Por sua relevância, a discussão será submetida à apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do ARE n° 843989 (Tema 1199), com previsão de julgamento para o dia 03/08/2022, em que se decidirá sobre eventual ““(IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente”.
Sem qualquer pretensão de adivinhar a futura decisão dos Ministros do Supremo, o reconhecimento da aplicação retroativa dessas novas regras mais benéficas, nos parece a solução a mais adequada.
Ora, a própria Lei 14.230/2021, em seu art. 1°, § 4°, determinou que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”.
Conforme já mencionado, há precedentes dos Tribunais Superiores, no sentido de “o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador” [1]..
Seja como for, o julgamento do Tema 1199 deverá constituir um padrão de uniformidade decisória de caráter vinculante, no tocante a retroatividade das novas regras trazidas pela Lei 14.230/2021.
[1] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RMS 37.031/SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe: 20/2/2018.