Conhecer a carteira de processos e criar uma política de acordos podem ser caminhos para evitar os prejuízos da judicialização da saúde  
Equipe de Comunicação
Enquanto, no geral, o número de processos em primeira instância teve uma queda de 6% entre 2009 e 2017, na área de saúde houve um crescimento de 198%. Esses números, crescentes e discrepantes, acendem um alerta, já que a judicialização da saúde pode trazer consequências financeiras graves como o aumento do passivo das redes hospitalares, das operadoras de planos de saúde e do próprio Estado. Por isso, é tão importante entendermos o que tem causado essa judicialização, as consequências dela e como construir soluções para evitar prejuízos, não só financeiros, mas também operacionais. 

Rodrigo Gonzalez, sócio do escritório EGS Advogados e especialista em direito civil, destaca a necessidade de empresas conhecerem bem as próprias carteiras de processos e compreenderem o que tem gerado a judicialização. Em geral, o volume maior de processos, está relacionado à cobertura dos planos de saúde de procedimentos médicos, próteses e medicamentos. 

“O gestor do hospital precisa fazer essa análise interna. Qual a principal questão? Qual medicamento está sendo mais questionado? O primeiro passo é entender o cenário, perceber que o problema existe e a gravidade dele”, explica Rodrigo. 

Para o advogado, depois que a carteira de processos for analisada, fica mais fácil criar estratégias para enfrentar a situação. Dentre elas, está a possibilidade de negociação prévia, adotando uma política de acordos efetiva. Resolver em primeira instância, segundo Rodrigo, muitas vezes, reduz custos: 

“Quando você tem uma base, você constrói uma política de acordos, sabendo, por exemplo, que tipo de casos você costuma ganhar ou perder. Você consegue mapear o passivo, os custos inerentes ao processo. O que estamos vendo com frequência é a medição multipartes, onde se faz um acordo entre o hospital, a operadora do plano e o consumidor. São muitas as possibilidades”, afirmou o sócio da EGS. 
Consequências da Judicialização da Saúde  
O crescimento exponencial dos processos na área de saúde, além de aumentar custos, obrigar operadoras a alargarem coberturas, deixar gestores da área sem previsibilidade de gastos e aumentar os valores cobrados pelos planos, gera um problema sério para o setor público: a distorção da distribuição de recursos. O governo federal gasta mais de 1 bilhão de reais por ano para o cumprimento de decisões judiciais. De 2010 a 2016, os custos da judicialização da saúde aumentaram 10 vezes. A maioria desses processos são relacionados a medicamentos. Um dos motivos que podemos enumerar para a judicialização da saúde é a rápida evolução da medicina, com tratamentos modernos, complexos e tecnológicos, consequentemente, com custos muito elevados.  O que acontece é que parte da verba destinada à saúde no Brasil acaba sendo direcionada para custear processos ou para financiar esses tipos de tratamento, às vezes ainda em fase experimental. Enquanto muitos morrem no país por falta de atendimento básico, parte dos recursos da saúde são gastos para patrocinar tratamentos caros para uma parcela restrita da população, com maior acesso à Justiça. Algumas iniciativas têm tentado mitigar essas distorções, que acontecem não só no Brasil, mas em todo o mundo. Na tentativa de barrar a profusão de liminares, principalmente em casos onde há a alegação de risco de morte, foram criados grupos técnicos com médicos e profissionais da área da saúde para orientar os magistrados sobre a gravidade do caso e a possibilidade de outros tratamentos, mais baratos, que também sejam efetivos para o paciente.  Os chamados Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT), por exemplo, são instâncias internas que os tribunais estaduais desenvolveram para análise técnica das demandas em saúde. 
 O que levou a judicialização da saúde no Brasil? 
Para o advogado Edmilson Damasceno, especializado em saúde, podemos analisar o aumento dos processos na área por três ângulos: a ótica jurídica, a ótica social e a ótica da saúde privada. A Constituição de 1988 garante saúde universal e irrestrita para todos, ou seja, o Sistema Único de Saúde tem como função proporcionar atendimento integral à população. O SUS foi organizado por uma série de Marcos Regulatórios e o descumprimento deles, por várias razões, contribuiu para judicialização da saúde. É o que Damasceno trata como ótica jurídica.
“O Brasil tem uma legislação ampla, que regula tanto a prestação de serviços de saúde pelo estado, quanto pelas instituições filantrópicas e privadas. O problema é que, em muitos momentos, o Sistema não atinge o propósito definido pela Constituição. Como se diz na linguagem popular: o cobertor é curto. Com o desenvolvimento da medicina e encarecimento de medicamentos e procedimentos, o Marco Legal precisa passar por uma revisão, não só no modelo, mas principalmente do financiamento. Se a Constituição garante saúde e o cidadão sabe dos seus direitos, quando ele vê seu pedido negado, recorre ao judiciário”, relata o advogado. 
O SUS é subfinanciado pois não recebe recursos suficientes para atender a toda a população da maneira que propõe a Constituição. Atualmente, o gasto do governo federal com saúde pública representa 3,8% do PIB. Em média, a Europa gasta 11% do PIB com saúde e os Estados Unidos 17%. O Brasil está apenas na 64ª posição no ranking mundial.  Assim como a acesso à saúde, o acesso ao judiciário também não é tão simples para a população mais vulnerável. É aí que entra a segunda ótica importante quando analisamos a judicialização da saúde: a social. Segundo Edmilson, as pessoas mais humildes dificilmente vão ter condições ou ser orientadas a procurarem um advogado. Quem recorre ao judiciário, geralmente, é quem tem uma condição econômica mais favorável e conhecimento de que o seu direito enquanto cidadão está sendo violado.  Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram que em 2008 o Ministério da Saúde gastou 70 milhões com decisões desfavoráveis e que em 2015 esse valor ultrapassou 1 bilhão de reais. Dos 12 tribunais analisados, 65% dos protagonistas dessas ações eram advogados privados. Para Damasceno, a judicialização agrava ainda mais a desigualdade no acesso à saúde. 

Por fim, o advogado citou o papel da saúde privada como a terceira abordagem importante que explica o aumento no número de processos. Pelo Marco Legal, a Agência Nacional da Saúde (ANS) é a responsável por regular e manter o sistema privado saudável economicamente em defesa das empresas e dos consumidores. A rede privada, considerada como suplementar à saúde pública hoje é uma das responsáveis pelo aumento da judicialização. Há uma discussão muito grande a respeito do modelo de remuneração pactuado entre as operadoras dos planos de saúde e os prestadores de serviço. Segundo Damasceno, esse modelo de pagamento já mostrou ser insustentável do ponto de vista econômico. Então hoje, já vemos mudanças, como o barateamento de serviços por parte das instituições e a abertura de hospitais próprios por parte das operadoras dos planos.

Juntando essas três vertentes, fica mais fácil entender porque, ano após ano, estamos presenciando um aumento nos números de processos na área da saúde. O problema, de acordo com o advogado, é que esse crescimento exponencial pode resultar na falência do modelo do Sistema Único de Saúde, que é um dos mais modernos do mundo, e no achatamento de várias redes de hospitais privados, que podem não ir a falência, mas que acabam incorporando os gastos com processos nos custos, dificultado a ampliação do atendimento e modernização das unidades. 
 “Há a necessidade de todos os entes envolvidos na saúde sentarem em uma mesa em busca de soluções. Executivo, legislativo, judiciário, sociedade civil, organizações sociais e entidades privadas. Precisamos frear esse processo com uma proposta pensada de forma conjunta para que não seja formulada uma visão distorcida da situação. E a solução só vai aparecer com diálogo”, concluiu Damasceno.

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