*Por Julio Cesar Beltrão, Sócio de EGS Advogados

Nos meses de maio e junho, o plenário do STF votou temas importantes acerca da flexibilização das relações de trabalho, trazidos pela reforma trabalhista de 2017.

Algumas questões sobre as alterações promovidas pela Lei 13467/2017 na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e também em leis esparsas aguardavam julgamento pela Suprema Corte há algum tempo e, no geral, podemos dizer que o plenário pacificou divergências encontradas nas próprias decisões de turmas do Tribunal Superior do Trabalho, embora tenha relegado ao caso concreto algumas discussões, principalmente sobre direito indisponível.

Trazemos, nesse artigo, um resumo dos julgamentos proferidos pela Suprema Corte em três processos da chamada “pauta trabalhista”.

  • Ultratividade das normas coletivas

O primeiro julgamento, em 27/05/2022, ocorreu nos autos da ADPF 323, e a Corte decidiu que as decisões que aplicaram a ultratividade dos acordos e convenções trabalhistas são inconstitucionais.    

A ultratividade dos acordos e convenções coletivas, sem sombra de dúvida, retira das empresas e dos sindicatos profissionais a possibilidade de se adaptarem à realidade econômica em determinado período, obrigando-os a manterem contratadas condições de trabalho por tempo indeterminado.

O prejuízo trazido pela aderência ao contrato de trabalho das cláusulas estabelecidas em norma coletiva até que outra negociação as revogue, representa, na prática, a indeterminação temporal das cláusulas negociadas, o que afeta tanto o capital como o trabalho, desestimulando a concessão de direitos nas futuras tratativas.

O empresário se vê obrigado a manter benefícios que possam ter se tornado insustentáveis em uma situação de crise econômica. Os empregados ficam sujeitos a aceitar a manutenção de cláusulas in pejus negociadas em períodos de crise e que possam não ter mais razão de existir.

O entendimento também é de que o Judiciário não pode se sobrepor à vontade legislativa em respeito à separação entre os poderes, já que foi o Congresso quem decidiu vetar a ultratividade ao redigir a reforma trabalhista.

Entretanto, a decisão ainda deve acarretar alguma discussão na Justiça do Trabalho em relação a outro tema instituído pela reforma trabalhista, relativo à prevalência do negociado sobre o legislado, ao suscitar que “o término da vigência das convenções não significa a cessação dos direitos trabalhistas da categoria no Judiciário Trabalhista, considerando que o ordenamento jurídico brasileiro garante aos trabalhadores um rol de direitos indisponíveis, por meio da lei e da Constituição, que não podem ser suprimidas ou negociadas.”

  • Negociado sobre o legislado

O Supremo Tribunal Federal definiu, em julgamento ocorrido em 02/06/2022, que as convenções ou acordos coletivos de trabalho que limitam ou suprimem direitos trabalhistas são válidos, desde que assegurado um patamar civilizatório mínimo ao trabalhador.

A corte fixou tese de repercussão geral sobre a constitucionalidade de acordos e convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis. 

O entendimento foi fixado no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 1121633, no qual uma empresa de mineração goiana questionava decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que havia afastado aplicação de norma coletiva sobre supressão de pagamento de horas in itinere.

No julgamento, o TST entendeu que o pagamento deveria ser feito pelo fato de a mineradora estar em local de difícil acesso, com jornadas de trabalho incompatíveis com os horários do transporte público. Mas, no recurso, prevaleceu o voto do ministro-relator Gilmar Mendes, que reconheceu a validade do acordo.

O magistrado destacou que o artigo 7º da Constituição Federal, incisos XIII e XIV, autoriza a elaboração de normas coletivas com relação às jornadas e salários, que se vinculam diretamente ao caso concreto.

O relatório esclareceu, no entanto, que supressões ou reduções de direitos devem respeitar os direitos indisponíveis, assegurados pela constituição, pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporados ao direito brasileiro e pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania.

Como se vê, a despeito do STF fixar tese que privilegia a vontade do legislador da reforma trabalhista em relação à prevalência do negociado sobre o legislado, ao que tudo indica, sempre haverá a discussão do que é direito indisponível, caso a caso, nas instâncias inferiores.

Provavelmente, vamos continuar enfrentando essa celeuma, o que chama a atenção das empresas para a necessidade de se estabelecer negociações coletivas muito bem estruturadas.

  • Negociação prévia à dispensa coletiva

O Plenário do STF decidiu, no dia 08/06, que é necessária a participação prévia de sindicatos nas negociações que precedem demissões coletivas.

O caso diz respeito à dispensa, em 2009, de mais de quatro mil empregados da Embraer. No recurso, a empresa questionava decisão do TST que estabeleceu a necessidade de negociação coletiva visando à rescisão massiva de empregados.

De acordo com a decisão, não se trata de pedir autorização ao sindicato para a dispensa, mas sim de envolvê-lo num processo coletivo com foco na manutenção de empregos, a partir do dever de negociação pelo diálogo.

Em outras palavras, não deve haver uma vinculação propriamente dita, mas o dever de negociar, por entender que a participação dos sindicatos é imprescindível para a defesa das categorias profissionais.

Nesse sentido, os Ministros Barroso e Toffoli observaram a necessidade de envolver os sindicados num processo coletivo com foco na manutenção de empregos, a partir do dever de negociação pelo diálogo.

Segundo Toffoli, a participação de sindicatos, nessas situações, pode ajudar a encontrar soluções alternativas ao rigor das dispensas coletivas, evitar a incidência de multas e contribuir para a recuperação e o crescimento da economia e para a valorização do trabalho humano, cumprindo, de modo efetivo, a sua função social.

Já o ministro Barroso, ao propor a tese prevalecente, ressaltou que a exigência de negociação em boa-fé objetiva, enquanto requisito à dispensa coletiva, não implica estabilidade no emprego. O que se espera é uma tentativa honesta de negociação, visando a mitigar os efeitos prejudiciais da dispensa em massa. Se o diálogo for infrutífero, deverá prevalecer a liberdade do empregador de rescindir os contratos de trabalho.

De modo geral, os ministros e as ministras que acompanharam essa vertente demonstraram preocupação com os impactos sociais e econômicos das demissões coletivas e realçaram que a intervenção sindical prévia não se confunde com autorização prévia dos sindicatos, mas estimula o diálogo, sem estabelecer condições ou assegurar a estabilidade no emprego.

Também votaram nesse sentido, na sessão de hoje, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski. Após ouvir os debates, o ministro Alexandre de Moraes, que havia acompanhado o relator no início do julgamento, alterou seu posicionamento. Segundo ele, a melhor abordagem da questão deve ser a busca de maior equilíbrio nas relações de trabalho a partir do dever de dialogar, principalmente em razão do fato de a Constituição defender os direitos sociais e a empregabilidade.

Por maioria, a tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores que não se confunde com a autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo”.

Como se constata, o resultado do julgamento prestigiou o papel dos sindicatos profissionais na proteção coletiva dos trabalhadores, sem perder de vista a liberdade econômica dos empregadores. Ao fixar a tese, a corte procurou privilegiar os valores sociais do trabalho, porém em equilíbrio com o princípio constitucional da livre iniciativa.

Caberá, portanto, às empresas, sempre convocar as entidades sindicais para a mesa de negociação antes de qualquer movimento que possa caracterizar dispensa coletiva, que, ao final, poderá se concretizar mesmo que a negociação reste infrutífera.

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